O direito de crédito dos consumidores nos casos de desistências do contrato de compra e venda e recuperação judicial das construtoras

Por Nadime Meinberg Geraige, sócia do escritório Maluf-Geraigire-Bruno Advogados

Muitas são as vantagens decorrentes da aquisição de um imóvel ainda em construção ou, até mesmo, adquiridos na planta, dentre elas podemos citar: o preço, a possibilidade de parcelamento do pagamento e a provável, valorização do imóvel. Todos esses fatores contribuem para que a compra do imóvel nestas condições se torne a melhor opção entre os brasileiros para concretizar “o sonho da casa própria”.

A aquisição do imóvel em construção se dá através do compromisso de compra e venda, no qual o promitente vendedor, ou seja, a construtora ou incorporadora, se compromete a vender o imóvel ao promitente comprador – o consumidor – que, em contrapartida, se obriga ao pagamento do preço da unidade imobiliária escolhida. Conclui-se, portanto, que referido contrato somente se aperfeiçoa futuramente, após a quitação do preço total acordado entre as partes e recebimento das chaves da unidade pelo adquirente.

Contudo, diversas circunstâncias podem interferir no compromisso de promessa de compra e venda, levando ao desfazimento do contrato, sejam elas decorrentes de iniciativa da construtora (inadimplência do consumidor em relação ao saldo devedor, por exemplo) ou simplesmente motivada pela desistência do consumidor nos casos de alteração de sua situação financeira ou atraso na entrega da unidade por culpa da Construtora.

Essas situações são frequentemente levadas ao Judiciário brasileiro, que vinha se posicionando de diversas formas em relação ao tema, levando o STJ a editar a Súmula 543 para unificar o seguinte entendimento: “Súmula 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”

Assim, em caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda, o consumidor sempre terá direito a restituição da quantia paga, seja integralmente se por culpa a vendedora, seja parcialmente se por interesse deste.

Neste último caso, o consumidor terá direito à restituição dos valores pagos, com as deduções em favor do promitente vendedor, em virtude das despesas administrativas havidas com o contrato, publicidade, corretagem de venda, pagamento de impostos, etc, sendo que a jurisprudência pátria já fixou o entendimento que este percentual de retenção deve variar entre 10% a 25% do valor total pago pelo consumidor, conforme as circunstâncias de cada caso. Nesse sentido já se fixou a posição do STJ –  Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1361921/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016, DJe 01/07/2016)

Exposto esse cenário de impossibilidade de retenção integral ou de devolução ínfima das parcelas pagas pelo consumidor, incorre a seguinte dúvida: Como ficam os créditos constituídos nos casos de rescisão dos contratos de compromisso de compra e venda quando a promitente vendedora (Construtora/Incorporadora) se socorre à Recuperação Judicial?

Como é sabido, a crise atual que assola o país, contribuiu para que diversas empresas do ramo da construção civil, sejam de pequeno, médio ou  grande porte, se socorressem à Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) para tentarem superar esse momento de dificuldade financeira, através da redução coletiva do passivo e dilatação dos prazos para a quitação das dívidas.

Como consequência, aplicam-se aos consumidores, o caput do art. 49 da Lei de Recuperação Judicial, que estabelece que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Nesse sentido, também já manifestou o STJ: “com a edição da Lei. 11.101/05, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o juízo universal para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais (…)”, (2ª Seção, CC 110.941/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 1º.10.2010)

Explica-se, com a rescisão dos contratos de compra e venda de imóveis, o negócio jurídico até então regido pela Lei 10.931/2004 (Lei de Incorporações), , por se tratarem de indenizações devidas aos consumidores, decorrentes da vontade das partes, tendo como única garantia a simples promessa da construtora de que, no vencimento, irá adimplir sua obrigação, são considerados créditos comuns (quirografários), portanto devem ser incluídos no quadro de credores sujeitos as condições de pagamento a serem aprovadas em assembleia e credores..

Situação divergente ocorre com o direito de crédito sobre a unidade, ou seja, dos contratos de promessa de compra e venda que permanecem vigentes, perdurando a obrigação da construtora na entrega do imóvel.

O § 3º do mencionado art. 49, estabelece alguns dos sujeitos que não se submetem à Recuperação Judicial, são eles: os titulares de créditos oriundos de contratos (i) de alienação fiduciária; (ii) de leasing;  (iii) de venda com reserva de domínio; (iv) e, o dito, compromisso  de compra e venda com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias.

Isto porque, a Lei 10.931/2004 (Lei de Incorporações) implementou o chamado patrimônio de afetação, separando o patrimônio das Construtoras e Incorporadoras dos Imóveis em construção do patrimônio dos empreendimentos, criando as sociedades com propósitos específicos (SPE), visando impedir qualquer risco financeiro à atividade.

Esse regime evita que ocorra a confusão dos valores pagos pelos consumidores, que, via de regra, efetuam o crédito em contas específicas para a unidade da construção adquirida, de modo que o capital investido na aquisição da unidade habitacional não possui relação com o patrimônio geral da incorporadora.

Portanto, a construtora/incorporadora que se socorrer à recuperação judicial não poderá declarar como parte de seu conjunto patrimonial as unidades dos seus empreendimentos que tiverem sido objeto de contrato com consumidores e deverá manter o curso das obras e entrega das unidades, pois o favor legal da Recuperação Judicial tem por objetivo, justamente a manutenção da atividade empresarial.

Em outras palavras, mesmo que a empresa que ensejou a SPE venha a requerer os benefícios da Lei de Recuperação Judicial, os contratos firmados e a própria SPE permanecerão inatingíveis, conforme a Lei de Incorporações. Logo, o consumidor, por força do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, tem sua unidade protegida independentemente da Recuperação Judicial da construtora/incorporadora.