Decisão STJ: Modificação do regime de bens não exige “justificativas ou provas exageradas.”
O regime de bens é um conjunto de regras (econômicas e financeiras) que os noivos ou conviventes devem escolher antes da celebração do casamento ou início da união estável, para definir juridicamente como os bens do casal serão administrados durante o casamento e destino quando da extinção, seja por divórcio, dissolução da união estável ou falecimento.
Assim, o regime de bens estabelece o que é de cada um durante o matrimônio ou constância de união estável, ou seja, quais bens são de cada cônjuge e quais bens são patrimônio comum do casal e como serão partilhados quando da extinção da união.
No entanto, o regime de bens vai muito além da escolha entre separação total, comunhão parcial ou comunhão universal de bens.
A escolha do regime de bens é feita antes da união através de pacto antenupcial no momento do casamento no civil ou escritura de união estável.
Os principais regimes de bens são:
Comunhão parcial de bens: é o mais comum no Brasil, pois não havendo escolha expressa dos noivos, o Código Civil de 2002 prevê que vigorará o regime de comunhão parcial de bens. Neste tipo de regime de bens, os bens que se comunicam são apenas os adquiridos de forma onerosa durante a constância da união, como descrito no artigo 1.658 do Código Civil e devidas exclusões previstas no artigo 1.659, conforme segue:
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Comunhão universal de bens: neste regime de bens, todos os bens dos cônjuges irão se comunicar de acordo com o artigo 1.667, no entanto, deverão ser observadas as exceções dispostas no artigo 1.668 do Código Civil, sendo:
Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.
Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
Separação (convencional ou legal) de bens: este tipo de regime de bens é o oposto da comunhão universal de bens, pois não há a comunicação entre o patrimônio anterior ao casamento com os bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável, ou seja, ou seja, nesse regime não há bens comuns.
O regime de separação total de bens é o único regime de bens no qual, qualquer um dos cônjuges, independentemente de autorização do outro ou judicial, poderá:
- alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
- pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos ou;
- prestar fiança ou aval.
Vale ressaltar que neste tipo de regime de bens é necessário o pacto antenupcial.
O regime da separação legal é aquele imposto aos casais que iniciam a união após os 70 anos, por força de regra expressa no Código Civil.
Participação final nos aquestos: aquestos são os bens adquiridos de forma onerosa durante a constância do casamento.
Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
O regime de participação final dos aquestos estabelece a contribuição de dois regimes de bens: a comunhão parcial de bens e a separação (convencional ou legal) de bens.
Os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam e na eventualidade da dissolução conjugal somente serão contabilizados os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal.
É possível alterar o regime de bens durante o casamento?
Sim, é possível realizar a alteração do regime de bens durante a constância do casamento conforme previsto no artigo 1639, parágrafo 2º do Código Civil, sendo que tal alteração somente poderá ocorrer através de ação judicial própria, , ou seja, não se dá por simples ato de manifestação de vontade perante o cartório extrajudicial.
Assim, para modificar o regime de bens durante o casamento é necessário:
- Ter um motivo justo para pedir a alteração do regime de bens;
- Ser a vontade de ambos os cônjuges;
- Resguardar o direito de terceiros e dos cônjuges (não pode causar prejuízos a nenhum);
- Fazer a solicitação mediante petição inicial assinada por ambos os cônjuges;
- Não havendo oposição do Ministério Público ou de terceiros, o juiz concederá o pedido.
Decisão (fonte: STJ)
De acordo com recente decisão do STJ, a relação detalhada do patrimônio do casal não é requisito essencial para a alteração do regime de bens, sendo possível a modificação do regime de bens escolhido originalmente pelo casal, sem que os cônjuges sejam obrigados a apresentar justificativas ou provas exageradas, como a relação pormenorizada de seus bens.
Este entendimento foi estabelecido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em ação de modificação do regime de comunhão parcial para o de separação de bens, determinou que as partes juntassem aos autos todos os documentos comprobatórios de seu acervo patrimonial.
Assim, nas ações de modificação do regime de bens, desde que o casal apresente justificativa válida para a alteração e seja garantida a proteção dos direitos de terceiros, é desnecessária a apresentação ao juízo da relação de todos os bens que compõem o patrimônio do casal, em respeito à vontade dos cônjuges e à desnecessidade da imposição de provas exageradas para a modificação.
De acordo com a relatora do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi apontou que é possível a modificação do regime de bens escolhido pelo casal – autorizada pelo artigo 1.639, parágrafo 2º, do Código Civil de 2002 – ainda que, como no caso dos autos, o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil anterior.
Em relação à necessidade de motivação para o pedido de alteração do regime, a relatora destacou que o objetivo do legislador foi evitar que a modificação resultasse em prejuízo para um dos cônjuges e impedisse o exercício de direitos por terceiros com os quais o casal tivesse mantido relações jurídicas.
Efeitos ex nunc
A magistrada também lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, os bens adquiridos antes da decisão judicial que autoriza a mudança de regime devem permanecer sob as regras do regime anterior – ou seja, a autorização judicial deve abarcar apenas os atos jurídicos praticados após a sentença (efeitos ex nunc).
No caso dos autos, a ministra ressaltou que, além de ter apresentado justificativa válida para a modificação do regime de bens, o casal trouxe aos autos uma série de certidões negativas, como tributárias, trabalhistas e de protesto.
Além disso, segundo a relatora, as instâncias de origem não apontaram qualquer circunstância – nem ao menos indiciária – de que a alteração do regime de bens poderia causar prejuízos a um dos cônjuges ou a terceiros.
“Diante desse quadro, a melhor interpretação que se pode conferir ao parágrafo 2º do artigo 1.639 do CC é aquela no sentido de não se exigir dos cônjuges justificativas ou provas exageradas, desconectadas da realidade que emerge dos autos, sobretudo diante do fato de a decisão que concede a modificação do regime de bens operar efeitos ex nunc“, concluiu Nancy Andrighi ao dispensar a apresentação da relação de bens.
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Nadime Meinberg Geraige é sócia no escritório Mafuf Geraigire Advogados.
Diplomada bacharel em Direito em 2001 – FMU
Pós-graduada em Direito das Relações de Consumo (“lato sensu”) – PUC
Mestre em Direito Civil – USP
Membro da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua perante Câmaras Especializadas de Mediação Arbitragem.
Membro da Comissão de Trabalho de Direito de Família e Sucessões da VI Jornada de Direito Civil realizada no Conselho da Justiça Federal, com enunciado aprovado sobre a prova da capacidade econômica na fixação dos alimentos.